Formação Litúrgica, Ficha 30: Voltando ao Início

Voltando ao Início
Formação Litúrgica em Mutirão - CNBB - rede celebra - revista de liturgia
Ficha 30

Ione Buyst

Voltemos à descrição da vida cristã nos Atos dos Apóstolos. A vida no Espírito, que leva os cristãos a crescer na intimidade com Jesus e a sair em missão para anunciar a Boa Nova, tem um ‘centro’, um ‘eixo’: a pequena comunidade que se reúne nas casas. E o que acontece nestas reuniões? A breve passagem bíblica de Atos 2,42-43 é considerada ‘paradigmática’, ou seja, é como que um resumo, uma síntese exemplar da vida dos primeiros cristãos: “Eles mostravam-se assíduos aos ensinamentos dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Apossava-se de todos o temor, pois numerosos eram os prodígios e sinais que realizavam por meio dos apóstolos.” Destaquemos três elementos: a- o próprio fato de se reunir e a comunhão fraterna (‘koinonia’, que inclui a comunhão de bens, para que ninguém passe necessidade); b- o ensinamento dos apóstolos (didaché), i. é, a transmissão ou tradição apostólica de tudo o que Jesus fez e ensinou (Cf. At 1,1); c- a fração do pão e as orações, ou seja, a eucaristia ou ceia do Senhor (que era celebrada nas casas durante uma refeição), e as orações da comunidade (liturgia). E estes três elementos desembocam por assim dizer na missão, no testemunho (martyria) na sociedade: prodígios e sinais.

Estão aí os elementos que caracterizam (ou deveriam caracterizar) a vida litúrgica de uma comunidade cristã, como fonte de espiritualidade. Sem dúvida, as CEBs resgataram a maneira de ser Igreja dos inícios: comunidades vivas de comunhão e participação, cultivando a memória de Jesus na escuta da Palavra, na ação de graças (Eucaristia), na oração e na ação pastoral, empenhadas na organização dos pobres e na transformação libertadora da realidade. Num projeto de Igreja desta natureza, é possível resgatar a espiritualidade que brota da celebração comunitária da fé.

Pensemos isso na realidade concreta de uma comunidade hoje:

  1. a) Os cristãos se reúnem, principalmente aos domingos, dia do Senhor, ao redor do Cristo Ressuscitado para celebrar o mistério pascal, para fazer memória da morte-ressurreição de Jesus. Praticam entre si de alguma forma (umas mais, outras menos) o ‘bem comum’, a partilha, para que ninguém passe necessidade.
  2. b) As leituras bíblicas são lidas e interpretadas, Deus anuncia sua palavra de salvação dentro do contexto de nossa vida com suas alegrias e tristezas, esperanças e desilusões, acertos e desacertos, indicando o rumo de nossas vidas e da missão do povo de Deus. Ouvimos ‘o que o Espírito diz às Igrejas’ (Cf. Ap 2 e 3).

Em meio às orações de súplica e intercessão, de louvor e de ação de graças, realiza-se a ‘fração do pão’, a ceia do Senhor - a liturgia eucarística - ou, na falta dela, a ação de graças, seguida, às vezes, de uma partilha de alimentos, na alegria e na simplicidade. Podemos ainda cantar e dançar, assim como orar em silêncio, deixando-nos impregnar pelo mistério celebrado.

Aí está o núcleo do ‘método’ espiritual dos cristãos! Aí estão os ‘exercícios espirituais’ deixados pela tradição! Aí está a espiritualidade da Igreja! Trata-se de uma espiritualidade bíblica, comunitário-eclesial, cristocêntrica, pneumática, simbólico-sacramental... que nos leva a viver e testemunhar a vida nova, o mundo novo que Cristo veio inaugurar. Com as ‘antenas’ do Espírito ligadas e com as escrituras sagradas como ponto de referência, a comunidade reconhece a presença escondida de Deus, a atuação do Ressuscitado e de seu Espírito transformador em nossa vida, em nosso mundo, em meio às contradições, em meio às idas e voltas da história. Reconhece e agradece, louva, professa sua fé, compromete-se com o Reino. Reconhece e pede, intercede. Reconhece e, por isso, cultiva o amor, a relação de intimidade, de familiaridade, ao qual Deus nos convida. Contempla, extasia-se na alegria pascal. Participando da ação ritual que expressa o mistério de nossa fé, participamos da vida do Ressuscitado. Tomados pelo Espírito dele, somos identificados com Cristo em sua morte-ressurreição; podemos comungar de sua vida divina, de sua comunhão com o Pai, na unidade do Espírito Santo, que nos impulsionam para a perfeição da vida cristã, para o testemunho e para a missão.

Não basta conhecer [a Deus] com a cabeça, friamente, lendo, estudando. É preciso entrar em contato com Deus, pela oração. Se não há oração, não há fé viva; se não há oração, não há vida cristã. A nossa espiritualidade é mais do que a oração só; porque a espiritualidade é toda a vida da gente vivida na fé e no amor. Porém (...) esta é a primeira regra da espiritualidade: fazer oração e fazer bem a oração. (...) Quem não faz meia hora diária (sic) de oração, está fora de jogo na caminhada do Reino. Quando muito estará na reserva. Pode-se orar em casa, no ônibus, com a Bíblia, num silêncio de escuta, rezando louvores. (...) Participando de verdade na oração oficial da Igreja, que é a Liturgia - a Eucaristia sobretudo: testamento de Jesus, lição definitiva para nossa vida: “Façam isto em memória de mim...”

Perguntas para a reflexão pessoal e em grupos:

  1. O que as nossas comunidades têm em comum com as comunidades primitivas (conforme os Atos dos Apóstolos)?
  2. Como era a vida espiritual dos primeiros cristãos? Qual o papel que a liturgia tinha nesta vida espiritual?
  3. A minha (nossa) vida espiritual se alimenta da liturgia (celebração eucarística, celebração dominical da Palavra, ofício divino etc)?

Artigo publicado In: SECRETARIADO NACIONAL DO 11. INTERECLESIAL DAS CEBs. CEBs: Espiritualidade libertadora; seguir Jesus no compromisso com os excluídos - Texto-base do 11. Belo Horizonte, Editora O Lutador, 2004, p. 106-108.

Fonte: CNBB 

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